quarta-feira, 22 de junho de 2016

Conto: O batom preto.

Lá estava eu, sentado em uma cadeira de bar, sozinho e degustando a minha cerveja. Era uma noite de sábado, e a solidão tomava conta de mim, mais do que tudo naquele momento. Eu fui ao bar naquela noite com o meu melhor amigo. Ele não estava fazendo companhia para mim, ao invés disso, sua língua estava na garganta de alguém. O que, convenhamos, é 1000 vezes melhor do que ficar ao lado de um depressivo solitário como eu.
Vendo superficialmente toda aquela interação social entre as pessoas presentes naquele bar, eu observava meus próprios pensamentos. Uma tênue e, ao mesmo tempo, intensa viagem por pensamentos obscuros e espinhosos. Caminhar pela minha mente era como caminhar por um vale sombrio, com vento gélido tocando a pele de meu rosto e um aroma sombrio e tenebroso de morte no ar. Aquelas imagens distorcidas e horrendas iam ganhando mais presença, e tirando cada vez mais a minha atenção daquele centro de pessoas felizes para uma dimensão vazia e profunda. Era quase possível dizer que eu estava completamente entregue àquela outra dimensão, até que, repentinamente, minha atenção foi brutalmente desviada de todo aquele vale escuro.
Um caminhar único era a razão da minha mudança de foco. Uma pessoa que, discretamente, tornava-se a mais radiante presente naquele bar. Seu caminhar era sutil, porém, de uma sutileza avassaladora. Cada passo que era dado prendia ainda mais a minha atenção. Lentamente, meu olhar escaneou completamente a imagem daquela pessoa. Era uma jovem moça. Não sou capaz de descrever completamente sua aparência, até porque, era o conjunto da obra que impactava, e não meras características... Engano-me! Existia uma coisa que chamava a minha atenção mais do que tudo: seu batom preto. Lábios bem desenhados, carnudos e pintados de preto. Aquela imagem simplesmente paralisou meus pensamentos. Todos os demônios foram descansar, enquanto que todos os meus instintos saíram de suas jaulas, batendo enfurecidamente nas paredes da minha mente, fazendo barulho, berrando e deixando uma única coisa explícita: eu precisava ir lá!
Lá estava eu, num labirinto enorme de sensações. Momentos atrás, eu estava sendo engolido por outra dimensão, e agora, meu corpo está sendo tomado por ondas diferentes de sentimentos e sensações mais diferentes ainda. Era uma série de explosões em diferentes partes do meu corpo. Um mix de pensamentos contraditórios e sem sentido, acompanhados de espasmos e suores. Toda aquela confusão montava um contexto bem específico, o de que eu precisava dar um jeito de me aproximar daquela mulher.
Como num trabalho de equipe entre todos os meus instintos e hormônios, eu me levantei da cadeira. Lá estava eu, em pé, sem pensar muito bem nas coisas que pretendia fazer. A moça que eu observara até então estava no balcão do bar, esperando pelo seu drink. Ela cruzava suas pernas elegantemente, exibindo um pouco mais de suas belas e bem torneadas coxas. Botei-me a caminhar, sem pensar em mais nada. Estava eu caminhando, cruzando aqueles poucos metros que nos separavam. A cada passo que eu dava, meus pensamentos se desligavam cada vez mais de tudo que era lógico, e uma energia cada vez mais intensa corria por todo o meu corpo. Quando eu menos esperava, já estava ali, ao lado dela. Aquela moça estava sentada, sem nem prestar atenção em mim. Eu estava parado como um totem ao lado dela, com pequenas gotas de suor escorrendo pela minha testa já enrugada, de tão tenso que meu rosto estava.
"O que dizer, o que fazer?" Eram as únicas palavras que minha mente formulavam. A moça do batom preto nos lábios estava olhando para frente, sem nem se dar conta de que eu estava ali. Pudera! Quem sou eu? Essa moça pode ganhar a atenção de quem quiser naquele bar, porque escolheria justamente a minha?
A minha esperança se renovou naquele mesmo instante! O cara que estava sentado ao lado dela se levantou, levando consigo seu drink. Ou seja? Sim, era a hora perfeita para eu sentar ao lado dela. As coisas já começavam a fazer mais sentido ali. Eu iria me sentar, pedir um drink e, como quem não quer nada, puxar assunto com aquela linda moça. Perfeito! Tudo começará a correr como um relógio.
Naquele bar, em uma área mais ao fundo, havia um espaço para dançar. Muitas pessoas já estavam dançando. e pessoas que estavam no balcão já iam se dirigindo para lá. Muitas pessoas, menos aquela moça... Ela estava sentada, ainda com as pernas cruzadas. Pra que enrolar mais, né? A cadeira ao lado dela está vaga! Sente-se logo!
Quando eu fui me sentar ao lado dela, algo quebrou completamente as minhas expectativas.
-Pra que se sentar aqui comigo, se você pode me chamar pra dançar?
Sim... A moça do batom preto com as pernas sutilmente cruzadas estava ali, dizendo num tom de voz sereno e ousado que eu deveria chamá-la para dançar... Era como se eu fosse uma criança, um menino, deixando todas as suas intenções obvias e explícitas para quem quisesse ver, e ela, com toda a sua sapiência, simplesmente pegou tudo que estava explícito para jogar comigo um jogo de malícia e sedução...

Continua.








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